O processo de alfabetização na primeira infância é essencial para o desenvolvimento e o aprendizado futuro das crianças. A alfabetização se inicia quando elas começam a aprender os sons e observar as palavras. Dessa forma, o ambiente escolar é o grande responsável por trabalhar efetivamente esse processo.
Durante a pandemia, a realidade de muitas crianças mudou drasticamente. Grande parte delas atrasaram o início do seu contato escolar. Com a retomada das aulas presenciais, pais, professores e demais profissionais da educação puderam observar os impactos desse afastamento. A ausência do contato com os colegas devido ao isolamento obrigatório causou um atraso na sociabilidade e, no caso dos mais jovens, maiores dificuldades no desenvolvimento da alfabetização. Apesar disso, alguns ganhos também puderam ser observados.
De acordo com pesquisas realizadas, a pandemia gerou atrasos cognitivos em todos os processos de aprendizado, como também potencializou a desigualdade na alfabetização das crianças. A nota técnica “Impactos da pandemia na alfabetização de crianças”, divulgada pelo movimento “Todos pela Educação”, foi produzida com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de 2012 a 2021. De acordo com o estudo, entre 2019 e 2021, houve um aumento de 63% no número de crianças na faixa etária de seis a sete anos que não sabiam ler e escrever.
DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Aline Lucena, fonoaudióloga educacional especializada em linguagem, pontua que ocorreu uma quebra repentina no planejamento pedagógico das escolas durante a pandemia e, com isso, foram necessárias adaptações inesperadas. Além disso, para ela, a família também ficou muito sobrecarregada por um tempo e precisou assumir o papel das próprias escolas, o que tornou o processo de alfabetização conturbado. “As crianças foram as mais prejudicadas por essas questões: do pai que não tem formação educacional para alfabetização e pela privação do coletivo. Estar em pares, com crianças da mesma idade e do mesmo nível, favorece”, defende.
De acordo com a fonoaudióloga, a alfabetização é resultado de um processo de organização cognitiva geral, que é construído com a criança: “Ela precisa construir habilidades e a escola atua muito nesse sentido. Não apenas a escola, mas estendo ao convívio social das crianças. A linguagem é construída a partir do brincar e muitas perderam esse ‘brincar’ durante a pandemia”.
Viviane Brandão, diretora pedagógica do Instituto Educacional Manoel Pinheiro, destaca a desaceleração do processo educacional durante o período. “De acordo com a Unicef, a faixa etária que mais ficou prejudicada foi a dos estudantes entre cinco e 10 anos de idade. Esse grupo tem menos facilidade com as mídias digitais e menos acesso à internet, o que ocasionou maior dificuldade para que as escolas mantivessem um cronograma que atendesse às demandas desse segmento”, revela. Para ela, independentemente da pandemia, a escola deve ser acolhedora e humana. Diante disso, a diretora acrescenta que a escuta ativa para todos os atores da escola será fundamental no atual cenário de retomada presencial das aulas.
A coordenadora pedagógica do Colégio Dona Clara, Glenda Cardoso, reforça a importância do contato com o educador durante a alfabetização. “A habilidade de codificar e decodificar a escrita depende da interação com um meio letrado e muito estímulo. A interação social também é preditora nesse processo”, afirma. A coordenadora também coloca a ausência de interação escolar como um grande empecilho e gerador de consequências durante o período: “Diante dos desafios mundiais ocasionados pela pandemia, a escola precisou se reinventar e se adequar à nova realidade. Nessa nova etapa, a parceria entre família e escola e os investimentos em habilidades socioemocionais são primordiais”.
Apesar dos aspectos negativos, Kátia Coelho, coordenadora pedagógica da Educação Infantil do Colégio Santa Marcelina, acredita que o momento trouxe pontos positivos também. “Percebemos que as crianças que demonstraram gosto por aparelhos eletrônicos e atividades virtuais deram um salto no processo de aquisição da leitura e da escrita, confirmando a importância da alfabetização digital para essa geração”, avalia. Ela também coloca que o acompanhamento diário dos pais fez toda a diferença, pois as crianças gostam de ser assistidas e mostrar suas conquistas aos familiares.
DESIGUALDADE E EVASÃO
Outra questão presente no contexto foi a evasão escolar, principalmente dos alunos da educação infantil. Lúcia de Almeida, diretora-proprietária da Escola Infantil Pequetitos, ressalta esse aspecto durante o período: “A maioria dos pais tirou os filhos da escola durante a pandemia, principalmente na educação infantil. Estamos sentindo uma defasagem muito grande nas crianças com a retomada escolar”. Para Lúcia, também há maior dificuldade de concentração dessa faixa etária. “As crianças não têm concentração e nem é indicado o uso de telas para essa idade. Então, nós tivemos que criar uma metodologia diferente para chamar mais a atenção delas”, explica. Para Cristiane Estevan, supervisora pedagógica do Centro Educacional Iza Rizzotti, o cenário acentuou os problemas que já existiam na educação básica e a desigualdade entre os ensinos público e privado: “As crianças que tiveram acompanhamento familiar, equipamentos tecnológicos e conectividade foram privilegiadas. Já as escolas públicas tiveram outras preocupações além do ensino. Foi necessário alimentar as famílias primeiro”. Além disso, Cristiane alerta sobre o crescimento da busca por ajuda clínica para crianças: “Dados do Centro de Pesquisa da UFRJ concluem que crianças de quatro a oito anos estão apresentando muito mais déficit no desenvolvimento das expressões corporais e dificuldade em atenção compartilhada.” Ela afirma que será necessário muito trabalho conjunto para amenizar os impactos da pandemia, já que a etapa da alfabetização é uma das mais importantes para o desenvolvimento humano.
A preocupação atual é o enfrentamento de todas as consequências causadas durante o período de isolamento para que o prejuízo seja menor nas etapas seguintes do ensino. A união de pais, educadores e demais profissionais da educação será essencial neste momento, sempre com atenção e compreensão com todas as crianças. (Nathália Farnetti)
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